O título completo da instalação, era auto-retrato (fotografia ainda por realizar) mas neste momento, as palavras ainda por realizar estão a mais. Ou talvez não...
Com esta instalação pretendi levantar algumas questões que me preocupam em relação à fotografia, à forma como ela se define e enquadra. Não só na arte mas também na vida. A primeira questão: onde começa uma fotografia? No momento do click? Ou começa no assunto, seja ele uma paisagem, um retrato ou uma composição propositadamente montada para ser fotografada? Se quanto aos primeiros exemplos, não será muito difícil estabelecer as fronteiras (embora sempre algo difusas), quanto ao ultimo dos exemplos, essa fronteira esfuma-se ainda mais: para Philippe Dubois* "com a fotografia, já não é possivel pensar a imagem fora da sua constituição, fora do acto que a faz ser como tal, entendendo-se (...) que esta 'génese' tanto pode ser um acto de produção propriamente dito (tirar a fotografia) como um acto de recepção ou difusão (...)". Vemos nesta frase, um claro esfumar das referidas fronteiras, uma vez que se considera com génese da fotografia, (aqui entendida como sinónimo de imagem) todas as intervenções que nela acontecem ou que permitem que seja difundida e recebida por quem a observa. Daí a perinência da minha questão: e antes do click? Toda a preparação, o estudo do angulo, a composição, a espera do momento? Não fará tudo isso também parte da fotografia?
A segunda questão: o que deve representar uma fotografia? O objecto fotografado e nada mais? Ou pelo contrário, de nada importa o objecto fotografado e o que tem valor é somente o significado ou o efeito que se pretende obter, mesmo que esse mesmo significado não tenha qualquer relação directa com o objecto fotografado? (Lembremo-nos que o título é auto-retrato...). E se assim é, então porque se fotografa? Parece um contra senso, pois se não é para mostrar o objecto fotografado...
Estas questões, para mim, estão ainda sem resposta, mas é ao colocá-las, que vou buscar motivação para muitos dos meus trabalhos de origem fotográfica. Neste caso em particular, houve ainda uma intenção de, não provocar, mas jogar, interagir com o espectador. Enquanto que, ao mesmo tempo, abordava de forma subtil o tema da exposição, que tinha a haver com uma crítica à sociedade de consumo, ou seja, a todos nós em geral e a cada um enquanto indivíduo. Assim, coloquei um espelho no cenário, de tal forma direccionado, que o observador que se colocasse em frente da câmara fotográfica, não se veria nele reflectido. Em vez disso, leria a frase “és o que consomes” (reflectida a partir da parede existente atrás) e onde se destacavam algumas letras, de forma a compor uma segunda observação dentro da primeira: “o que some”. (Mais ou menos desta forma: és O QUE conSOMEs). No visor da máquina fotográfica, (uma Mamya 6x6 de enquadrar por cima) coloquei um espelho de forma tal que, quem por ela espreitasse, ver-se-ia a si mesmo, em vez do cenário para onde apontava a lente. Assim, o auto-retrato não seria necessariamente o meu auto retrato, mas o de quem interagisse com o espaço.
Mas aqui há também outra das minhas preocupações: fotografamos, não para conhecer o mundo à nossa volta, mas para nos reconhecermos a nós próprios. Assim como em todas as nossas acções, não vemos o mundo como ele é, vemo-nos a nós, nele reflectidos...
Por fim, a cadeira: a cadeira tem aquele simbolismo universal, que nos transporta logo à ideia de descanso, ou de certa forma e por analogia, à de paz interior. Essa ideia foi reforçada pela cor branca com que a pintei. Mas há um contra senso... a cadeira não tem forro no tampo, nas costas, ninguém pode sentar-se nela sem o risco de cair, de se magoar. Ninguém pode descansar! É também assim a vida. A ideia de descanso, para muitos não passa de uma ideia, ou, se quisermos, de uma ilusão..
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* IN: O ACTO FOTOGRÁFICO
Colecção Comunicação & Linguagens, Veja
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